Do Valor da Indenização por dano moral em acidente de trabalho

  1. Introdução:

No contexto social vigente, o legislador da reforma trabalhista achou que era necessário fixar parâmetros para o arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais no Direito do Trabalho, inserindo, através da Lei 13.467/2017, o art. 223-G, parágrafo 1º, incisos I a IV, da CLT, prevendo a tarifação do dano extrapatrimonial, com base no último salário do ofendido:

§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

Observa-se que, antes do advento da Lei 13.467/2017, a doutrina já rechaçava a ideia de tarifação de indenização por danos extrapatrimoniais na esfera trabalhista, em face da natureza personalíssima dos direitos tutelados.

Constata-se que, na fixação da indenização por dano extrapatrimonial considerava-se a gravidade do dano e a dimensão dos prejuízos sofridos, a capacidade patrimonial dos ofensores, o princípio da razoabilidade e o caráter pedagógico da medida.

Entretanto, a Lei 13.467/2017, que introduziu o art. 223-G, parágrafo 1º, incisos I a IV da CLT, adotou o tabelamento da indenização por danos extrapatrimoniais, calculada com base no “último salário contratual do ofendido”, opção esta que sempre foi criticado pelos doutrinadores, inclusive, já foi declarada inconstitucional pelo STF em situações similares.

  1. Arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial antes da Lei 13.467/2017.

Desde que o dano moral trabalhista passou a integrar a competência da Justiça do Trabalho, os magistrados baseavam-se na responsabilidade civil verificando a comprovação do dano e do nexo existente entre o fato e a ação ou omissão do empregador ou, ainda, dependendo do tipo de trabalho exercido, apreciavam a culpa objetiva para então condenar na indenização, de acordo com a gravidade decorrente do acontecimento danoso.

Sempre se considerou a figura do trabalhador ofendido, ou havendo seu falecimento ou incapacidade, dos herdeiros prejudicados conforme ficasse demonstrado no processo.

Certamente que na Justiça do Trabalho se estabeleceu parâmetros para a aferição do valor da indenização, nunca baseado no salário do trabalhador e, muito menos no recebimento do direito concernente somente à pessoa física ofendida. Evidentemente que para fixarem-se parâmetros, verificava-se mais o patrimônio do empregador do que o salário do empregado.

A indenização por danos morais tinha por objetivos compensar o sofrimento do ofendido e desestimular a conduta, sem olvidar o caráter pedagógico ao ofensor.

Portanto, na fixação da indenização por dano moral, considerava-se a gravidade do dano e a dimensão dos prejuízos sofridos, a capacidade patrimonial dos ofensores, o princípio da razoabilidade e o caráter pedagógico da medida, com fundamento no artigo 5º, V e X da Constituição Federal e artigos 12, 186, 187 e 944, do Código Civil. A fixação da indenização baseava-se na análise e ponderação de dois elementos: capacidade econômica do empregador e as características do ato por este praticado. Não havia utilização de tarifas legais para fixar as indenizações por danos morais, concedendo ao magistrado a discricionariedade para analisar o caso concreto e arbitrar um valor.

  1. Arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial após a Lei 13.467/2017.

Em vigor desde 11 de novembro de 2017, a Lei 13.467/2017 introduziu na CLT o Título II-A, que trata exclusivamente do “Dano Extrapatrimonial”, em seus artigos 223-A a 223-G.

Na intenção de apontar alguns parâmetros para o juiz apreciar o dano extrapatrimonial, o legislador estabeleceu, no art. 223-G, um rol com 12 incisos que deverão ser considerados no arbitramento do valor indenizatório:

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I – a natureza do bem jurídico tutelado;

II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III – a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII – o grau de dolo ou culpa;

VIII – a ocorrência de retratação espontânea;

IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X – o perdão, tácito ou expresso;

XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII – o grau de publicidade da ofensa.

É inegável que a elaboração de diretrizes para o juízo apreciar o dano extrapatrimonial é positiva, pois indica para o julgado e para as partes os fatos mais importantes que deverão ser considerados, bem como as principais provas que deverão ser priorizadas.

Entretanto, há decisões judiciais trabalhistas que fixaram valores considerados exorbitantes ou irrisórios pelo evento morte, por mutilações ou por doenças ocupacionais. Com a justificativa de reduzir a quantidade das indenizações, em geral, e tentar estabelecer uma espécie de teto legal aos valores judicialmente arbitrados, o legislador da reforma trabalhista optou pela indenização tarifada.

Havia tarifação do dano moral na Lei de Imprensa (art. 51, Lei 5260/67) e em outras normas esparsas no ordenamento brasileiro, assim como algumas indenizações no âmbito do processo civil e do direito civil, que são fixadas em múltiplos de salários-mínimos.

Indubitavelmente, o art. 223-G é o mais controvertido no que tange a indenização por danos extrapatrimoniais, ao apresentar os valores da tarifação. Em que pese o legislador ter o cuidado de apresentar doze ponderações, que o juiz deve fazer ao fixar o valor, as indenizações têm de caber em uma dos quatro níveis criados pela reforma: leve, média, grave e gravíssima, sem prejuízo da reincidência.

No Direito do Trabalho, há pretensões que podem, sim, ser de titularidade de pessoas físicas ligadas afetiva, econômica e/ou juridicamente à pessoa humana ofendida, tal como pode ocorrer com o cônjuge e os filhos da vítima de danos extrapatrimoniais. Na hipótese do evento morte da vítima, tais pretensões são manifestas e, em princípio, garantidas pela ordem jurídica.

A Medida Provisória 808, de 14 de novembro de 2017, previa que o valor das indenizações seria calculado com base no limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, e que os parâmetros para o tabelamento não se aplicariam aos danos extrapatrimoniais decorrentes de morte.

A MP 808/2017 teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23 de abril de 2018. Entretanto, para os danos extrapatrimoniais ocorridos no período de sua vigência, a indenização não poderá ser fixada com base no salário do ofendido, pois o teto estabelecido para cada grau de ofensa considerava apenas os múltiplos do valor do benefício máximo do Regime Geral da Previdência Social.

Então, pelo menos neste aspecto, naquele espaço temporal, a legislação tratava com maior igualdade os ofendidos.

  1. Exemplos da discriminação na fixação da indenização por dano extrapatrimonial

Um exemplo que bem demonstra a discriminação pelo tratamento diferenciado, diz respeito ao rompimento da barragem de rejeitos da Mineradora Vale, em Brumadinho/MG.

Este triste episódio enseja reflexões no âmbito do Direito do Trabalho. Para os trabalhadores, a perda da vida em decorrência do rompimento da barragem assume uma dimensão adicional: está-se diante do maior acidente do trabalho da história brasileira.[1]

Aliás, como ficariam as indenizações com relação aos empregados da Vale S/A de Brumadinho?

I – Os empregados que sobreviveram e tiveram dano extrapatrimonial serão indenizados em até cinquenta vezes o valor do último salário contratual recebido, ou seja, quem tinha o menos salário receberá um valor menor com a indenização.

II – Os parentes dos empregados que falecerem não receberão indenização nenhuma, pois a lei é menciona que só a pessoa física é titular do direito à reparação.

III – Os que não eram empregados, mas foram vítimas de danos extrapatrimoniais, receberão indenizações ilimitadas, de acordo com o direito cível, na Justiça comum.

IV – Os parentes dos que não eram empregados e faleceram, terão direito a requerer na Justiça comum a indenização correspondente, de forma ilimitada.

Considere-se, exemplificativamente, que o piso salarial daquela categoria fosse de R$ 2.000,00. Assuma-se, ainda, que ao lado deste trabalhador estivesse, no momento do acidente, um colega cujo salário contratual fosse de R$ 10.000,00. Tendo ambos os trabalhadores perdido a vida na exata mesma circunstância, será justo considerar que a vida de um deles valha R$ 100.000,00 enquanto a do outro valeria R$ 500.000,00?

Outro exemplo a fim de demonstrar a absurda diferença no arbitramento das indenizações: trabalhavam na empresa, o auxiliar de limpeza, o engenheiro e o diretor, que auferiam rendimentos mensais diferentes. Ocorreu um grave acidente na empresa. Todos ficaram com sequelas físicas ou psicológicas semelhantes.

A tabela abaixo mostra o limite das indenizações por danos extrapatrimoniais, neste exemplo:

TARIFAÇÃO DO

Auxiliar de Limpeza

Engenheiro

Diretor

DANO EXTRAPATRIMONIAL

R$ 1.000,00

R$ 10.000,00

R$ 20.000,00

Ofensa leve – 3x

R$ 3.000,00

R$ 30.000,00

R$ 60.000,00

Ofensa média – 5x

R$ 5.000,00

R$ 50.000,00

R$ 100.000,00

Ofensa grave – 20x

R$ 20.000,00

R$ 200.000,00

R$ 400.000,00

Ofensa gravíssima – 5x

R$ 50.000,00

R$ 500.000,00

R$ 1.000.000,00

O diretor e o engenheiro da empresa, com remuneração elevada, certamente terá uma indenização muito superior a um auxiliar de limpeza que labora na empresa, com remuneração muito inferior. Será que a dignidade do diretor e do engenheiro é superior à dignidade do auxiliar de limpeza?

Em termos de indenização pela ocorrência do dano extrapatrimonial, o valor da indenização do diretor e do engenheiro ensejará uma situação de não equidade, como se a dignidade do auxiliar de limpeza fosse considerada de segunda linha.

Mas este é apenas um dos inúmeros percalços que deverão ser solucionados pela doutrina e pela jurisprudência futura.

  1. Conclusão:

Portanto, a tarifação do dano extrapatrimonial não é só intervenção legislativa na disciplina dos direitos fundamentais, mas de intervenção contrária à Constituição Federal superveniente, porque, como lei restritiva, o disposto no art. 223-G da CLT, põe em risco o os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Na redação atual do art. 223-G, parágrafo 1º, incisos I a IV, a vida de cada um tem valor diferente, ferindo, principalmente, os princípios constitucionais da proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da isonomia (art. 5º, caput) e da proporcionalidade (art. 5º, V).

Nenhum dispositivo constitucional estabelece indenizações diversas, de acordo com a renda da vítima, para ofensas extrapatrimoniais da mesma intensidade e com o mesmo grau de gravidade.

A dignidade das pessoas ofendidas é a mesma, ou seja, a dignidade da pessoa humana não pode ser aferida de acordo com o seu padrão de rendimento. A maior ou menor riqueza da vítima não pode orientar o valor da indenização, nem servir de parâmetro para reparar a lesão extrapatrimonial.

Ao utilizar o salário-contratual do empregado como base de cálculo para a indenização, esse padrão, por qualquer ângulo que se observe, faz com que a dor do pobre seja menor do que a dor do rico, independentemente da lesão.

A tarifação é incompatível com o alcance da indenização irrestrita assegurada pela Constituição da República, não podendo lei alguma restringir direitos, liberdades e garantias constitucionais. Nenhuma interpretação pode comprimir direitos fundamentais, a ponto de esvaziar-lhe o significado prático e a valia como bem da vida.

A tutela dos direitos de personalidade da pessoa humana nas relações de trabalho e no meio ambiente laboral é um importante patamar de afirmação do empregado. Entretanto, a tarifação da indenização alimentará a frustação dos que perderam seus entes queridos, suas chances de trabalho ou sua própria razão de ser.

Certamente que a jurisprudência trabalhista deverá corrigir esse desacerto legal interpretando o direito conforme deve ser aplicado e não de acordo com uma legislação elaborada por quem desconhece princípios básicos de Justiça.

Regiane de Siqueira Souza Advogada especialista em Direito do Trabalho

 


[1] BOSKOVIC, Alessandra Barichello. Brumadinho: indenizações Acidentárias e a Inaplicabilidade do Teto Fixado pelo Art. 223-G da CLT para os Danos Extrapatrimoniais. p. 124